domingo, novembro 26, 2006

a afirmação do blues

Charlie Patton e Son House ficariam orgulhosos. Acostumados com as agruras da pobreza, do racismo e da falta de perspectiva nas plantations (fazendas escravistas do sul dos Estados Unidos), os pais do blues, que cantavam para espantar seus fantasmas e suas tristezas, abririam um longo sorriso desdentado, seguido de um aceno de mão cansado, se pudessem sentir o clima do festival Cesma In Blues (CIB), que esse ano chegou à sua quinta edição e, ao que tudo indica, atingiu a maturidade, consolidando-se no cenário musical do Estado.

Não foi um caminho fácil. Até chegar a essa consolidação foram erros, acertos e muita insistência. Maior evento de blues do interior do Rio Grande do Sul, o CIB nasceu de uma decepção.

A idéia de reunir três bandas locais, na primeira edição do evento no Teatro Treze de Maio, surgiu de uma malfadada apresentação junto ao Brique da Estação, no largo da viação férrea de Santa Maria. Problemas técnicos frustraram os músicos das bandas Red House e Daniel Rosa & Saturno Blues, numa tarde modorrenta de outono, em 2002. Encucado e decidido a apoiar a emergente cena blueseira da cidade, o assessor de comunicação da Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria – Cesma, Paulo Teixeira, planejou um espetáculo com as duas bandas que iriam se apresentar no Brique, acrescidas da Paulo Noronha e os Watts. Apresentação, essa, que acabou por lotar o Treze de Maio. Era o primeiro sinal de um possível sucesso, com aprovação do público, mas com uma única ressalva: todos queriam mesas, cerveja, bourbon e fumaça. Enfim, o público queria festa.

Festa o público queria, festa o público teve. O festival passou por várias casas noturnas, sempre com alguma inovação, mudando nomes no palco, mas mantendo-se fiel às raízes do gênero que veio das margens do Rio Mississipi. Nomes como Andy Boy (Porto Alegre), Mustache Maia (Florianópolis) e Blues Power Trio (Rio de Janeiro) se apresentaram no CIB, consolidando o nome do evento na cidade. Para Paulo Teixeira, produtor de todas as edições, cada experiência trouxe um aprendizado novo, que levou até o novo formato: “esse foi o CIB que mais fluiu, acredito que isso encaminha um formato ideal”, afirma. Formato esse que foi inovador e recebeu aprovação total do público.

A grande sacada do Cesma In Blues 5 foi a criação da Cesma Blues Band (CBB), que tocou em um palco alternativo, nos intervalos dos shows do palco principal. Formada por músicos de Santa Maria que moram em outras cidades ou residem aqui, a Cesma Blues Band reeditou os bons momentos das jam sessions que habitaram o extinto bar Sanduba, sucesso de público à época. A idéia do palco alternativo foi do baixista Nenê Vianna, que hoje mora em São Paulo: “eu não tava a fim de ir num lance massa, que tinha quatro bandas, e no intervalo ter o clima quebrado por um cd”. Paulo Teixeira ressalta a importância da CBB: “resgatamos a valorização do músico local, o que sempre foi a idéia do CIB”.

E foi justamente esse espírito de música sem parar que contagiou a todos. Quando o público pressentia que um show do palco principal ia acabar, já começava a chegar perto do palco secundário. E a música não parou um só minuto. A energia de todas as bandas contaminou quem estava presente, principalmente os músicos. Para Paulo Noronha, que participou dos dois primeiros CIB, e integrou a CBB (junto a Daniel Rosa, Matheus Koester, Bruno Tessele e Nenê Vianna), o reencontro foi um momento especial: “Foi muito bom. Todos ali se gostam, são bons músicos. Revivemos uma época muito boa, e gostei muito de ser lembrado, apesar de hoje não estar mais tocando muito blues”. Nenê confirma o sentimento geral dos integrantes da CBB: “Foi maravilhoso tocar com os caras. Primeiro, porque havia um tempo que a gente não se encontrava; segundo, porque dava pra ver que tava todo mundo muito feliz com o som que a gente tava fazendo e, conseqüentemente, dava mais vontade de tocar”.

No palco principal, se revezaram quatro bandas, duas de Santa Maria e duas forasteiras, mantendo a tradição do festival de trazer grupos de fora da cidade. A música começou exatamente a meia-noite, com os primeiros acordes da santa-mariense Red House, única banda a tocar em todas as edições do CIB. Foi um show de composições próprias, que estarão no próximo CD, com lançamento previsto para março próximo (a banda já tem um disco independente lançado em 2004, One More Drink, One More Night, com tiragem esgotada). A segunda atração foi a Azambuja’s Blues Band, de São Leopoldo, comandada pela vocalista Alice, uma mistura de Grace Slick (vocalista da banda americana Jefferson Airplane) e Maria Rita, apresentando uma presença de palco impressionante.

A seqüência ficou por conta da banda local Arthur Aguiar e os colhedores de algodão, que deu alguns toques de psicodelia, mesclados ao clima Steve Ray Vaughan do vocalista e guitarrista Arthur, um discípulo do bluseiro texano. Fechando a noite, a banda de Sorocaba, Marcos Boi & Mad Dog Blues trouxe um blues festivo, fazendo o público balançar o esqueleto na pista.

Como não poderia deixar de acontecer, todos os músicos subiram ao palco no final (inclusive alguns que não foram convidados), numa grande jam session, que fechou a festa, depois de quase cinco horas ininterruptas de muito blues. Para Márcio Grings, gaitista Red House, o formato é definitivo: “Acho que esse foi o melhor CIB. É o formato certo”, afirma, lembrando da relação da banda com o festival: “A história da Red se confunde com a do CIB. Temos o maior orgulho de ter tocado em todos as edições”.

Quem não foi ao evento, ou quem foi e quer rever os bons momentos poderá alugar o DVD do CIB 5, que será lançado no dia 27 de dezembro, na última sessão do ano do Cineclube Lanterninha Aurélio, no auditório da Cesma. Segundo Marcos Borba, um dos produtores e responsável pelo audiovisual, registros visuais e sonoros não faltam: “Trabalhamos com uma equipe de doze profissionais, todos com muita vontade de estar ali. Temos mais de três horas de bastidores, além dos shows. Vamos valorizar muito esse material”. Para Paulo Teixeira, os objetivos estão sendo alcançados com o projeto: “Está havendo uma grande repercussão para a Cesma, que é um dos objetivos. Essa edição consolidou o retorno institucional e firmou a Cesma como produtora de um grande evento”.

Agora é esperar o Cesma In Blues 6, escutando Robert Johnson e Muddy Waters, com um copo do clássico Jack Daniels ao lado da poltrona.